Personagem histórico de importância mediana, Calabar caiu prisioneiro de mitos e, por isso, nossa autora subintitula seu livro de “a história do mito e o mito na história”. Trata-se, no fundo, do embate entre a História e a Memória, a História que tenta reconstruir e explicar o passado, fiel à pesquisa documental e aos fatos, e a Memória, que produz uma pseudo-história conveniente ao seu tempo. Calabar foi tido como traidor para os intelectuais brasileiros do XIX, mas transformado em herói nos “anos de chumbo” do século XX. O mesmo ocorreu com Zumbi dos Palmares, hoje tornado célebre, quase endeusado, como o principal líder da resistência negra contra a escravidão no século XVII, porém omitido ou destratado pelos historiadores oitocentistas, intelectuais de uma sociedade escravista. De Calabar, o personagem, se conhece muito pouco. De Zumbi, menos ainda. Mas o que está em causa, neste ponto, não é a biografia de um ou de outro, mas a memória sobre eles construída, em diferentes tempos, memória que sempre busca disfarçar-se de história. Coitada da História, tão vulnerável a apropriações de ocasião. Regina de Carvalho Ribeiro da Costa oferece ao leitor um livro que, através de Calabar, ensina como funcionam tais operações de reconstrução do passado à luz do presente, e assim nos conduz a vários passados e a diversos presentes. Calabares, no plural, para usar uma expressão da própria autora.
Do prefácio de Ronaldo Vainfas.