Sabemos desse ato da criação em que “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente”. Sabemos que: “Os gregos disseram: mataiótes mataiotéton kaì pánta mataiótes, tudo é inutilidade, ilusão, loucura. Os latinos diziam: ‘omnia vanitas’, ‘tudo é vazio’, mas um semita diz: ‘tudo é sopro’”. Sabemos do ato da criação em que Michelangelo teria dito “parla!” ao seu Moisés. E sabemos do ato de criação de Um sopro de vida, em que “um sopro incessante de questões” emerge sob a vista de Merissa no “desvelar do processo de criação, que é a questão da autoria” nesse romance de Clarice Lispector. Dentre as questões, a questão, o de a figura e o texto que a nomeia guardarem em si a relação do nome de Deus, à maneira de que falara Foucault em Isto não é um cachimbo, colocado em jogo por Clarice na abertura do romance: “Isto não é um lamento, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto.” E sabemos que a questão é de vida e morte, essa pulsão que abre as incessantes questões de Clarice, de Ângela, de Merissa, de… E sabemos que isto não é um romance senão o mise en abyme da arte em quadros e em devires palavras, devires pintura.
Prof. Dr. Luís Heleno Montoril Del Castilo.