O que se convencionou chamar Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) – seus agentes, mecanismos e normas de funcionamento – se propõe historicamente a desenhar e legitimar cenários para a própria atuação, com o suposto propósito de promover o desenvolvimento. As contínuas narrativas legitimantes do suposto fracasso endógeno de Estados periféricos como discurso e prática oficiais dos agentes externos da CID institucionalizam e doutrinam essa concepção, a qual pode ser reproduzida fora e dentro das fronteiras dos mesmos Estados – no caso da Guiné-Bissau, vê-se que alguns agentes mais precavidos desviam-se criticamente dessa concepção. Este é o ponto de partida da obra intitulada Guiné-Bissau: da independência colonial à dependência da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, de autoria de Maria do Carmo Rebouças dos Santos. A pertinência da discussão tecida por este livro revela-se a partir de sua proposta desconstrutiva, quando mais não seja ao questionar o modelo hegemônico de cooperação e desenvolvimento, inspirado nas instituições políticas e financeiras representadas pelos países do centro do poder internacional, e de enfrentamento aos conceitos e formulações que se propõem a legitimar as hermenêuticas exógenas do outro.
A autora defende, e bem, que o acolhimento dessas narrativas e a adoção pelos países menos desenvolvidos (e de renda baixa, como a Guiné-Bissau) de doutrinas políticas, econômicas, culturais e ideológicas, as quais concedem base ao sistema internacional de cooperação, representam uma condição instrumental para incorrer no neocolonialismo e na lógica do mercado.
Uma das principais contribuições do trabalho de Maria do Carmo é o seu convite à reflexão sobre como a lógica dos chamados doadores internacionais cruza toda a história desse país da África ocidental, com os principais aspectos de seu contexto cultural e histórico ignorados pelos intervenientes da “ajuda” internacional.
João Paulo Pinto Có, Msc.
Historiador, antropólogo e diretor-geral interino do Instituto Nacional.