No centro, as timbila — instrumento, música, dança que, com capacidade ímpar de se moldar a processos históricos de longa duração, alça seu lugar de símbolo da coletividade nacional em Moçambique. O que temos em mãos é um trabalho de pesquisa ambicioso tanto no recorte temporal quanto no escopo do seu argumento. Estimulada por compreender os caminhos pelos quais as timbila são proclamadas Patrimônio pela Unesco, a autora constrói uma competente análise antropológica da vida social dessa expressão cultural. Ao captar com sensibilidade os movimentos táticos dos atores sociais que permeiam seu campo, acompanhamos encantados as estratégias que dão a capacidade plástica das timbila de se reproduzir como expressão cultural ao se articular com as esferas de poder em diferentes momentos históricos — colonial, pós-independência, pós-guerra. Mas a etnografia vai além, ao desvelar toda essa trajetória, o que se apresenta ao leitor é muito mais, é seu entrelaçar com uma complexa construção de narrativas e processos classificatórios que tanto servem à formação da nação quanto são construídos a partir dela e das relações de poder conformadas no tempo. Tudo urdido e brilhantemente engendrado por Sara Morais, antropóloga que se firma no rigor de uma refinada e complexa pesquisa etnográfica em um duplo movimento, sincrônico e diacrônico. Trata-se de texto claro, bem escrito e resultado de uma pesquisa de campo densa, longa, intensa, da conjugação de diversas técnicas de pesquisa e um complexo conjunto de dados que abarcam análise de documentos, material histórico e um diálogo crítico com autores que anteriormente se debruçaram na descrição e análise do contexto estudado. Toda a obra da autora nos fascina, especialmente por sua capacidade de escrita nos remeter ao seu campo, nos fazendo por diversos momentos sentir os ritmos, os sons e as cores que fazem as timbila. Tenho a honra de escrever essas breves linhas, pois tenho a certeza de que estamos diante de obra que será referência no debate não somente sobre a vida social das timbila, mas sobre a construção da nação em Moçambique.
Andréa Lobo, Universidade de Brasília.