A discussão sobre Exu é uma encruzilhada que nunca tem fim. Esse livro, que também faz parte dessa encruzilhada, é para dar voz aos donos das ruas e das gargalhadas. Deixe que o próprio Exu conte sua história, compartilhe suas origens e revele alguns de seus mistérios. Ao longo do texto, você vai descobrir muitas intimidades do Exu Pinga Fogo e, quem diria, até mesmo se reconhecer nas experiências instigantes que ele narra. Muitos pensamentos, emoções e visões de mundo desse Exu eu soube apenas durante a escrita desse trabalho. Eu e Pinga trabalhamos juntos desde 2007. De lá para cá, ouvi muitas histórias dele, mas essa sem dúvidas essa é a mais intima de todas. A você, curioso por essa obra, permita-me apresentar esse guardião a quem eu sirvo. Exu Pinga Fogo tem uma imagem de imponência. É elegante no trato, mas arredio na fala. Desbocado, mas com menos palavrões do que você imagina, sua língua é um chicote ardente. Não é um exu de grandes gargalhadas. Seu riso é sarcástico. Seu humor, ácido e venenoso. Pinga não usa capa nem cartola, apenas uma bengala de pau-brasil e um fio de contas simples. Nada nele é tradicional. Pinga é simples, mas impactante. Ou melhor, hipnotizante. Ele é notoriamente sedutor com as mulheres e mais rabugento com os homens. É capaz de ser um cavalheiro para te conquistar e muito estúpido se a intenção for te assustar. Mas ele parece estar convencido de que vai prender sua atenção, porque sabe que vai. Ao longo dos anos, ele sempre me impactou, mas eu mesmo precisei conquistar o seu afeto. Esqueça a imagem de um Exu que é companheiro e vê em seu ‘cavalo’ um querido protegido. Por aqui, o trabalho começou por mera obrigação. Pinga deixava claro que não gostava de mim e que eu era muito careta para o seu gosto. O trabalho funcionava bem, mas sem grandes intimidades. Com o passar dos anos, eu pude amadurecer e, digamos, ficar mais suportável aos seus olhos. A implicância faz parte da relação com ele. Aproveite a leitura para desfazer e reconstruir tudo que você sabe sobre os povos de rua e até mesmo sobre a história da umbanda. Se Exu é o caminho do meio, esse livro é uma travessia.
Caio Duarte, psicanalista e dirigente do terreiro Casa de Assistência de Assis.