Eu imagino que o jovem LGBT+ brasileiro médio deste início de século, apesar de estar convivendo com uma onda de histeria homofóbica de certos setores da sociedade, não consegue nem imaginar como era bem mais pesada a pressão homofóbica no país em meados do século passado, sobretudo nas pequenas cidades do interior, como a Visconde do Rio Branco dos tempos d’O Menino e o Vento. O jovem LGBT+ de hoje sabe que os setores fóbicos são setores e, portanto, existem amplos espaços alternativos que são seguros e acolhedores, igrejas inclusive, onde podem ser quem são ao invés de se sufocarem na falta de ar dos armários. Este mesmo jovem tem fontes abundantes de informação sobre a temática LGBT+, meios de interagir com seus semelhantes e trocar experiências, um aparato de proteção legal e uma profusão de obras literárias, cênicas e musicais onde seu universo é tratado, no mínimo, com respeito. Pouco ou nada disso existia em 1966. Eu fico imaginando quais seriam as impressões do jovem de hoje que assistir O Menino e o Vento na categoria “gay vintage”. É por isso que acho importante tentar esboçar para um eventual leitor com este perfil como era o clima da pressão homofóbica naquela época e lugar, pois o mundo de hoje ainda carrega muito de tudo aquilo. E retrocessos não são impossíveis nem incomuns historicamente, pois ondas totalitárias são intolerantes com minorias e com o diferente. A era sexualmente liberal da Alemanha de Weimar foi esmagada pelo nazismo, que confinou seus cidadãos “pervertidos” (afeminados) nos campos de concentração, junto aos ciganos e judeus. O distintivo no uniforme de prisioneiro deles era o infame triângulo rosa.
O vento, o terço e o punhal: memórias e confissões de uma pessoa não-binária
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O professor universitário Paulo Henrique Limoeiro Júnior repassa mais de um século de história familiar centrada em sua vida pessoal e na curta vida de seu irmão músico, ceifada aos 27 anos pelo HIV. A narrativa intimista e confessional traz a perspectiva pessoal e reflexões de uma pessoa na casa dos sessenta sobre eventos marcantes de um passado que só existe nos registros de sua própria memória. Paulo Henrique relembra as passagens de sua trajetória de vida que foi marcada pelo desajuste do não-pertencimento, por uniões afetivas com mulheres e homens e pela dificuldade em compreender sua própria identidade e sexualidade (o vento). Só na senioridade o narrador descobre o conforto de se encontrar nas palavras que melhor o definem: uma pessoa não-binária e demissexual. As histórias de vida contadas ilustram bem o preço amargo cobrado pelas tentativas de se ajustar à força aos papéis sexuais e de gênero impostos pela cultura (o terço) assim como os riscos das rupturas destemperadas (o punhal), sem apoio na realidade e numa rede de afetos verdadeiros. A pressão cultural homofóbica é abordada pela perspectiva dos lugares, perverso, transgressor e clinicamente mórbido, historicamente destinados às pessoas cuja sexualidade não se conforma ao normativo. Uma pergunta é deixada no ar: até que ponto a própria fobia e seus lugares de exílio não criam e fomentam o que aparece de perverso, transgressor e mórbido em algumas dessas pessoas? A narrativa é recheada de reflexões e diálogos sobre os contornos éticos e estéticos do sexual, sobre os lugares da perversão e perversidade, sobre o que move o fetichismo e as parafilias, sobre os papéis da religião e espiritualidade na vida sexual, sobre os recursos da psicanálise e psicoterapia, sobre as fantasias românticas e sexuais, sobre Eros e apaixonamento e sobre o amor idealizado e real.